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A MP 1185 e os benefícios fiscais de ICMS

Opinião Jurídica publicada no site Consultor Jurídico/CONJUR em 01/12/23

 

 

 

 

O governo federal (com o intento de aumentar a arrecadação – sem a concomitante desejável redução de despesas – para o suposto atingimento da meta de déficit fiscal zero no ano de 2024) adotou, em 30 de agosto do corrente ano, a Medida Provisória nº. 1185 ainda em trâmite no Congresso Nacional.

 

Não se pretende aqui apresentar uma ampla e exauriente discussão a respeito do aumento da arrecadação a ser implementado pela possível conversão em Lei da precitada MP a partir de 1º de janeiro de 2024 (modificação de uma situação de exclusão das subvenções de ICMS – obedecidos certos parâmetros legais – das bases de cálculo do IRPJ, da CSLL, do PIS não cumulativo e da COFINS não cumulativa para uma situação de apuração de um crédito fiscal de subvenção para investimento da ordem de 25% de uma carga tributária padrão total de 43,25% ainda sujeito à determinadas condicionantes como a habilitação prévia da pessoa jurídica subvencionada junto à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil).

 

O objetivo almejado, ao revés, se baseia no esclarecimento de três questões subjacentes à aludida MP consideradas como fundamentais para o adequado debate legislativo.

 

Inicialmente é importante explicitar que a MP nº. 1185 não se aplica ao benefício fiscal denominado “crédito presumido de ICMS”. A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (a partir do julgamento, em 08/11/17, do ERESP nº. 1.517.492/PR posteriormente corroborado pelo recentíssimo decisório proferido por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº. 1945110/RS) consolidou uma orientação jurisprudencial no sentido de que a exclusão do crédito presumido de ICMS das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL é uma decorrência lógica e natural do princípio do Pacto Federativo/cláusula pétrea da CF/88 de observância obrigatória pelos entes de direito público interno; não havendo, por conseguinte, qualquer tipo de correlação entre a aludida exclusão e o pretenso cumprimento dos requisitos legais previstos no art. 30 da Lei nº. 12.973/14 c/c os artigos 9º e 10 da Lei Complementar nº. 160/17.

 

Faz-se essencial destacar doravante, superado o esclarecimento supra, que a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (quando do julgamento, em 26/04/23 e por votação unânime, do já identificado Recurso Especial nº. 1945110/RS sob a relatoria do Min. Benedito Gonçalves – tema 1182 da sistemática dos recursos especiais repetitivos) concluiu no sentido de que os benefícios fiscais diversos do crédito presumido de ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção e diferimento – podem ser excluídos das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL desde que cumpridos os requisitos/parâmetros legais previstos no art. 30 da Lei nº. 12.973/14 c/c os artigos 9º e 10 da Lei Complementar nº. 160/17. A tantas vezes citada MP 1185 (não obstante tal precedente) desconsiderou por completo o entendimento jurisprudencial sob comento ao instituir um regime jurídico inteiramente novo no que concerne ao tratamento fiscal das subvenções de ICMS junto aos tributos federais.

 

Não se questiona a possibilidade da instituição de um novo regime jurídico-tributário através de uma Medida Provisória, com a consequente revogação do pretérito regime jurídico previamente convalidado quanto à sua legalidade por algumas decisões judiciais esparsas. O que se questiona aqui firmemente é o absoluto desprezo – pela MP 1185 – quanto à força normativa de uma recentíssima tese adotada em precedente formalmente vinculante (Recurso Especial nº. 1945110/RS) emanado do Superior Tribunal de Justiça compreendido como o órgão de cúpula do Poder Judiciário brasileiro em matéria de interpretação final da legislação infraconstitucional. Tal desprezo – por implicar em afronta à harmonia e à independência entre os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário tal como exigido pelo art. 2º da CF/88 – incorre em evidente inconstitucionalidade.

 

O terceiro/último aspecto a ser abordado coaduna-se com a possível existência de vício formal existente no bojo da MP 1185.

 

O inciso IV do art. 15 da MP 1185 expressamente revogou o já dantes aludido art. 30 da Lei Ordinária nº. 12.973/14. Em princípio tal revogação não levantaria qualquer tipo de indagação, na medida em que uma Medida Provisória (por possuir status/força de lei ordinária) poderia perfeitamente revogar – integralmente ou parcialmente – prévia lei ordinária que fosse com ela de alguma maneira incompatível. A indigitada revogação torna-se extremamente questionável, entretanto, quando se constata que o precitado inciso IV do art. 15 da MP 1185 estranhamente desconsiderou por completo o fato de que o art. 30 da Lei Ordinária nº. 12.973/14 passou a vigorar acrescido dos respectivos §§ 4º e 5º instituídos pelo art. 9º da Lei Complementar nº. 160/17. A revogação parcial da Lei Complementar nº. 160/17 por uma posterior legislação hierarquicamente inferior (MP 1185 equiparada à uma lei ordinária) somente seria admissível se houvesse uma interpretação jurisprudencial definitiva no sentido do enquadramento da referida Lei Complementar como sendo materialmente ordinária, algo que até o presente momento não existe.

 

 

MARCELO FRÓES DEL FIORENTINO

Mestre e Doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP). Ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT/SP). Advogado em São Paulo.

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