1. A 2ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção de Julgamento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais/CARF (ao julgar, em 15/03/23, recurso voluntário no âmbito do processo administrativo tributário federal nº. 15746.720390/2020-43) concluiu – à unanimidade de votos – pelo não cabimento de uma multa punitiva/regulamentar quando constatada previamente uma mera divergência interpretativa entre o fisco e o contribuinte a respeito da correta interpretação da legislação tributária federal.
Entendeu a aludida turma julgadora que o contribuinte – ao adimplir a “obrigação tributária principal” de uma determinada forma/maneira – deveria reconhecer/reproduzir tal forma de adimplemento em sua escrita contábil/fiscal, sob pena de incorrer em um evidente descumprimento de “obrigação tributária acessória”.
A eventual discordância fazendária quanto à legalidade em sentido amplo da precitada forma/maneira de adimplemento da “obrigação tributária principal” poderia ensejar a lavratura de um Auto de Infração e Imposição de Multa para fins de cobrança/exigência de tributo, juros e multa (constituição do “crédito tributário” através do lançamento tal como previsto no art. 142 do CTN[1]). Tal discordância fazendária (quando constatada uma perfeita sintonia entre a forma pela qual se deu o cumprimento da “obrigação tributária principal” e a contabilização da mesma junto à escrita contábil/fiscal do contribuinte) não poderia ensejar, entretanto, a exigência concomitante de uma multa punitiva/regulamentar sob o falso pretexto de incorreção quando do cumprimento da respectiva “obrigação tributária acessória” pelo contribuinte.
1.1. Vide, como forma de corroborar o acima exposto, os seguintes excertos do precitado decisório administrativo a seguir parcialmente transcrito:
“(…) Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Processo nº. 15746.720390/2020-43. Recurso: De Ofício e Voluntário. Acórdão nº. 1302-006.413 – 1ª Seção de Julgamento/3ª Câmara/2ª Turma Ordinária. Sessão de 15 de março de 2023. Recorrentes: (…) FAZENDA NACIONAL. ASSUNTO: OBRIGAÇÕES ACESSÓRIAS (…) MULTA PREVISTA NO ARTIGO 8º-A, INCISO II, DO DECRETO-LEI 1.598 DE 26/12/1977[2]. ECF. Não pode ser considerada como incorreção, para fins de aplicação da penalidade prevista no artigo 8º-A, inciso II do Decreto nº. 1.598/77, a divergência entre o contribuinte e a fiscalização na interpretação da legislação tributária. A penalidade não pode ser utilizada como forma de impor ao contribuinte o entendimento do agente autuante sobre a forma de quitação das estimativas mensais devidas durante o ano-calendário (…) Acordam os membros do colegiado, quanto ao recurso voluntário, por unanimidade de votos (…) quanto ao mérito, em dar provimento ao recurso, para cancelar, em sua totalidade, a multa regulamentar aplicada (…) Paulo Henrique Silva Figueiredo – Presidente (…) Flávio Machado Vilhena Dias – Relator (…) Voto. Conselheiro Flávio Machado Vilhena Dias, Relator. DO RECURSO VOLUNTÁRIO (…) Portanto, o ponto que precisa ser esclarecido é o que seriam essas informações “viciadas”, que dariam ensejo à aplicação da penalidade. E aqui, mais especificamente, o que precisa ficar claro, tendo em vista a acusação fiscal, é o que seria uma informação “incorreta”, nos termos do dispositivo legal invocado pela fiscalização (…) De pronto, concorda-se com a Recorrente, quando esta afirma, no Recurso Voluntário, que “a leitura da norma legal em questão não pode levar à conclusão evidentemente absurda de que toda e qualquer divergência da fiscalização quanto à forma como contabilizados determinados valores pelos contribuintes ensejaria a aplicação da multa em questão”. Pensar desta forma, de fato, levaria à absurda conclusão de que toda vez que a fiscalização autuasse o contribuinte (por exemplo, por entender que determinada despesa não seria passível de dedução da base de cálculo do IRPJ e da CSLL), dever-se-ia aplicar também uma penalidade pela “incorreção” na obrigação acessória. Ora, se nos termos do exemplo dado, o contribuinte entendia que determinada despesa era dedutível, é razoável que, em suas obrigações acessórias, em especial naquelas em que o quantum tributário é calculado, aquela despesa fosse indicada como dedutível. Caso contrário, correria o risco, o contribuinte, inclusive, de ser autuado pelo fato de suas obrigações acessórias não refletirem a apuração do tributo, ou seja, a obrigação acessória estaria incorreta à luz do entendimento utilizado pelo próprio contribuinte na apuração do tributo devido (…) A ECF, portanto, tem como base a própria contabilidade do contribuinte e é utilizada para calcular o tributo devido no período. E, justamente por ter como base a contabilidade e os eventos ocorridos ao longo do ano-calendário, é que o contribuinte tem obrigação de fazer constar, em sua obrigação acessória, a realidade dos fatos e não a “realidade imposta pela fiscalização”. Assim, pode-se afirmar que não há como admitir que, em toda divergência de interpretação da legislação entre o fisco e o contribuinte, este seja penalizado por ter indicado, em suas obrigações acessórias, o entendimento que, para ele, era o mais correto. Entende-se, neste passo, como informação incorreta, para fins de aplicação da penalidade em comento, aquela informação que não reflita a realidade da operação realizada pelo contribuinte. Vale-se de mais um exemplo para deixar claro o posicionamento aqui defendido: ao auferir “receitas financeiras”, cabe ao contribuinte declarar estas receitas como sendo “receitas financeiras”, tributando-as nos termos da legislação em vigor, se for o caso. Se em suas declarações (obrigações acessórias), o contribuinte apontar aquelas “receitas financeiras” como sendo “receitas operacionais”, estar-se-á, claramente, diante de uma incorreção na informação prestada, passível de ser penalizada. Portanto, pode-se afirmar, mais uma vez, que informações incorretas, que dão ensejo à penalidade prevista no artigo 8-A, inciso II do Decreto-Lei nº. 1.598/77, são aquelas que, de alguma forma, não refletem a realidade, ou seja, não refletem o que de fato aconteceu, independentemente do entendimento contrário da fiscalização sobre o tema. Não se pode perder de vista, por outro lado, que a penalidade pecuniária não pode ser utilizada pela administração tributária como meio de arrecadação (…) Ou seja, ao afirmar que a quitação das estimativas, via declaração de compensação, com o imposto pago no exterior em anos-calendários anteriores, não estaria correta e exigir do contribuinte a retificação de suas declarações, para que façam refletir esse posicionamento/interpretação, sob pena de multá-lo (como de fato o fez), o agente autuante está impondo/induzindo, via “sanção política”, um comportamento ao contribuinte que ela, a fiscalização, entende como ser o mais correto (…) Assim, o que se verifica no presente caso é que a penalidade não foi aplicada porque houve uma incorreção na informação prestada na ECF, informação esta, reitere-se, prestada de acordo exatamente com a conduta praticada pelo contribuinte. A penalidade foi aplicada porque o contribuinte não concordou com o entendimento (interpretação) da fiscalização sobre a forma válida de quitação das suas estimativas no decorrer daquele ano-calendário (…) E isso fica muito claro ao se analisar o procedimento de fiscalização, em especial quando o agente autuante intimou o contribuinte para retificar suas declarações, para que fizesse constar que as estimativas não teriam sido quitadas com os créditos do imposto de renda pago no exterior. Como o contribuinte não retificou suas declarações, para fazer constar nelas o que a fiscalização entendia como correto, viu a “mão punitiva” do Estado lhe ser aplicada, sem qualquer respaldo na legislação em vigor, o que não se pode admitir. Por todo o exposto, VOTA-SE por DAR PROVIMENTO ao Recurso Voluntário, para afastar, em sua totalidade, a multa regulamentar aplicada, uma vez que não existem incorreções nas ECF’s do contribuinte passíveis de penalização (…)”.
Informativo elaborado em 08/08/23 pelo advogado Marcelo Fróes Del Fiorentino para fins de utilização exclusiva no site do escritório “Marcelo Fróes Del Fiorentino – Sociedade Individual de Advocacia”.
[1] “(…) Art. 142. Compete privativamente à autoridade administrativa constituir o crédito tributário pelo lançamento, assim entendido o procedimento administrativo tendente a verificar a ocorrência do fato gerador da obrigação correspondente, determinar a matéria tributável, calcular o montante do tributo devido, identificar o sujeito passivo e, sendo caso, propor a aplicação da penalidade cabível. Parágrafo único. A atividade administrativa de lançamento é vinculada e obrigatória, sob pena de responsabilidade funcional (…)”.
[2] “(…) Art. 8º-A. O sujeito passivo que deixar de apresentar o livro de que trata o inciso I do caput do art. 8º (…) ou que o apresentar com inexatidões, incorreções ou omissões, fica sujeito às seguintes multas: (…) II – 3% (três por cento), não inferior a R$ 100,00 (cem reais), do valor omitido, inexato ou incorreto (…)”.