1. A Primeira Turma do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA/STJ (ao julgar, em 11/04/23, o RECURSO ESPECIAL nº. 1.836.082/SE sob a relatoria da Ministra REGINA HELENA COSTA) concluiu – à unanimidade de votos – pelo parcial conhecimento e, nessa extensão, pelo provimento do RECURSO ESPECIAL interposto pelo contribuinte.
1.1. Discutiu-se (no âmbito do indigitado RECURSO ESPECIAL) se os valores atinentes aos descontos obtidos pelo varejista junto aos seus fornecedores no preço dos bens adquiridos deveriam – ou não – ser incluídos nas “bases de cálculo” do PIS e da COFINS não cumulativos devidos pelo precitado varejista/adquirente. Discutiu-se (de forma mais objetiva) se a qualificação dos descontos obtidos pelo varejista junto aos seus fornecedores – qualificação dos descontos como condicionais ou incondicionais – teria alguma influência para fins de inclusão (ou não) dos indigitados valores nas “bases de cálculo” dos PIS e da COFINS não cumulativos a cargo do varejista. A delimitação do tema então discutido/debatido está expressa nos seguintes excertos do aludido decisório a seguir parcialmente reproduzido:
“(…) RECURSO ESPECIAL Nº. 1.836.082-SE (…) RELATORA: MINISTRA REGINA HELENA COSTA. RECORRENTE: CENCOSUD BRASIL COMERCIAL LTDA. (…) RECORRIDO: FAZENDA NACIONAL (…) VOTO. A EXMA. SRA. MINISTRA REGINA HELENA COSTA (Relatora): (…) III. Contornos da lide e delimitação da controvérsia. Na origem, cuida-se de embargos à execução fiscal opostos pela Recorrente, objetivando afastar a cobrança levada a cabo pela FAZENDA NACIONAL na Execução Fiscal nº. (…) referente à inclusão, na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS relativas às competências de abril de 2006 a dezembro de 2010, de valores decorrentes de redução do custo de aquisição de produtos por pessoa jurídica atuante no varejo em razão de ajustes comerciais celebrados com fornecedores (…) A questão debatida está, portanto, em definir se parcelas redutoras do custo de aquisição de mercadorias em decorrência de acordos comerciais celebrados entre varejistas e fornecedores, condicionadas a uma contraprestação pelo adquirente, configuram receita passível de inclusão na base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS devidas pelo revendedor (…) Conquanto até agora inédita a análise da matéria nesta Corte sob a ótica da contribuição ao PIS e da COFINS, os Tribunais Regionais Federais vêm encampando posições divergentes sobre a natureza jurídica do montante que o varejista, em razão de arranjos comerciais celebrados com fornecedores, deixa de desembolsar em operações de compra e venda em virtude de descontos condicionados a contrapartidas (…) VI. Análise do caso. In casu, o tribunal de origem assentou compreensão consoante a qual a Recorrente, pessoa jurídica cuja atividade empresarial consiste no comércio varejista de produtos diversos (supermercado), “no período de abril de 2006 a dezembro de 2010, firmou acordos comerciais com diversos de seus fornecedores, obtendo destes a concessão de descontos sob a forma de bonificações (sem destaques na nota fiscal). Tais acordos estabeleciam uma gama de possibilidades ao varejista para a obtenção das ditas bonificações, porém sempre atreladas a uma condição” (…) Conforme consta do acórdão recorrido, os arranjos comerciais previam a redução do custo de aquisição de mercadorias pelo revendedor; entretanto a fruição dos abatimentos estava sujeita a algumas contrapartidas, tais como a alocação de bens adquiridos em espaços preferenciais em gôndolas ou a divulgação de produtos e marcas em encartes de propaganda. Por essa sistemática, o varejista, ora Recorrente, restou favorecido com a redução do importe a pagar. O fornecedor, de outra parte, foi beneficiado com formas mais atrativas de venda e de exposição de suas mercadorias ao consumidor final e, por isso, condicionou a concessão da vantagem comercial a ações diversas a cargo do adquirente, cujo descumprimento impossibilitava a diminuição do valor estipulado para a compra e venda (…)”.
1.2. Concluiu-se, à unanimidade e de conformidade com o voto da Ministra relatora, que a obtenção de descontos se constituía em uma mera redução dos custos de aquisição para o adquirente/varejista; não se equiparando/subsumindo, por conseguinte, à materialidade tributária (receitas auferidas compreendidas como ingressos financeiros positivos ao patrimônio do varejista) apta a gerar a incidência do PIS e da COFINS não cumulativos. A qualificação de tais descontos como descontos incondicionais (com o consequente enquadramento na hipótese normativa prescrita na alínea “a” do Inc. V do § 3º do art. 1º das Leis 10.637/02[1] e 10.833/03[2]) ou como descontos condicionais seria relevante – do ponto de vista jurídico/tributário e na situação sob comento – única e exclusivamente para aqueles que auferiram receitas/fornecedores. Vide, neste sentido, excertos do indigitado decisório a seguir transcritos:
“(…) RECURSO ESPECIAL Nº. 1.836.082-SE (…) RELATORA: MINISTRA REGINA HELENA COSTA. RECORRENTE: CENCOSUD BRASIL COMERCIAL LTDA. (…) RECORRIDO: FAZENDA NACIONAL (…) EMENTA (…) TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL (…) ARTS. 1º, CAPUT, § 3º, V, A, DAS LEIS NS. 10.637/2002 E 10.833/2003. BASE DE CÁLCULO DA CONTRIBUIÇÃO AO PIS E DA COFINS. INGRESSO PATRIMONIAL NOVO. AQUISIÇÃO DE PRODUTOS POR VAREJISTA COM DESCONTO CONCEDIDO POR FORNECEDORES. PARCELA REDUTORA DO CUSTO QUE NÃO CARACTERIZA RECEITA DO COMPRADOR (…) IV – Nas relações comerciais entre agentes econômicos, o adquirente de mercadorias para revenda despende valores com a compra de produtos para desempenho de sua atividade empresarial, sendo desinfluente a natureza jurídica dos descontos obtidos do fornecedor para a incidência das contribuições em exame quanto ao varejista, porquanto rubrica modificadora da receita de quem vende e redutora dos custos do comprador (…) VI – Os descontos concedidos pelo fornecedor ao varejista, mesmo quando condicionados a contraprestações vinculadas à operação de compra e venda, não constituem parcelas aptas a possibilitar a incidência da contribuição ao PIS e da COFINS a cargo do adquirente. VII – Recurso Especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, provido (…) VOTO. A EXMA. SRA. MINISTRA REGINA HELENA COSTA (Relatora): (…) Nesse contexto, a Corte a quo adotou entendimento segundo o qual a redução de preço ofertada pelos fornecedores era condicional e, por isso, a quantia objeto de decote não poderia ser deduzida da base de cálculo da contribuição ao PIS e da COFINS devidas pelo comprador, com amparo nos arts. 1º, § 3º, V, a, das Leis nº. 10.637/2002 e 10.833/2003. Tal exegese, no entanto, parte de premissa equivocada, porquanto a incondicionalidade dos descontos a ser considerada para reduzir o alcance da receita tributável somente pode ser aferida sob a ótica do contribuinte que figura na posição de vendedor. Com efeito, enquanto o fornecedor obtém receita mediante contratos de compra e venda de mercadorias, o varejista incorre em despesas para desempenho de sua atividade empresarial. Assim, somente sob o ponto de vista do alienante os descontos implicam redução da receita decorrente da transação, hipótese na qual, caso condicionais, poderão ser incluídos na base de cálculo das contribuições sociais em exame. No entanto, sob a perspectiva da aquisição dos produtos pelo revendedor, a bonificação percebida atenua o montante a ser desembolsado a título de custo da operação. Trata-se, portanto, de redução do valor da compra dos bens a serem posteriormente comercializados, cuja análise não guarda correlação com o conceito de receita como ingresso financeiro positivo ao patrimônio do varejista. Nesse caso, a obtenção de receita somente ocorrerá quando da revenda ao consumidor, ocasião na qual terão relevância apenas eventuais abatimentos outorgados ao cliente final e não aqueles usufruídos em operações anteriores. Dessa forma, a distinção entre a natureza dos descontos concedidos deve ser averiguada pelo Fisco na relação jurídica tributária entre a União e o contratante que aufere receita, sendo desinfluente a análise da incidência das mencionadas contribuições sob o prisma do contribuinte, o qual, na consecução do negócio jurídico, incorre em despesas (…) Ademais, os arts. 1º, § 3º, V, a, das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/03 estatuem não integrar a base de cálculo das contribuições em exame “(…) os descontos incondicionais concedidos”, reputando, por conseguinte, que a pessoa jurídica responsável pela concessão dos descontos – e não a beneficiária – é impactada com a redução da receita bruta (…) Assim, a análise da relação tributária pela Corte de origem, em meu sentir, partiu do equivocado pressuposto segundo o qual a Recorrente, ao desembolsar valores para aquisição de mercadorias com descontos, obteve receita, destoando do regramento relativo à contribuição ao PIS e à COFINS previsto nos arts. 1º, caput, § 3º, V, a, das Leis n. 10.637/2002 e 10.833/2003, os quais foram indevidamente aplicados na espécie (…) Em suma, os descontos concedidos pelo fornecedor ao varejista, mesmo quando condicionados a contraprestações vinculadas à operação de compra e venda, não constituem parcelas aptas a possibilitar a incidência da contribuição ao PIS e da COFINS a cargo do adquirente (…) Isto posto, CONHEÇO PARCIALMENTE do Recurso Especial e, nessa extensão, DOU-LHE PROVIMENTO para acolher os embargos, declarando extinta a Execução Fiscal nº. (…) Invertidos os ônus sucumbenciais. É o voto (…)”.
1.3. É importante destacar, por fim, a respeito da existência de uma conexão indissociável entre as contraprestações a cargo do adquirente/varejista (necessárias para a obtenção dos descontos junto aos fornecedores) com as compras e vendas previamente entabuladas entre as partes; com a consequente impossibilidade jurídica (como bem destacado pela Ministra relatora[3]) da estipulação de “prestações de serviços” autônomas em detrimento do varejista/suposto “prestador de serviço”.
Informativo elaborado em 04/09/23 pelo advogado Marcelo Fróes Del Fiorentino para fins de utilização exclusiva no site do escritório “Marcelo Fróes Del Fiorentino – Sociedade Individual de Advocacia”.
[1] Alínea “a” do Inc. V do § 3º do art. 1º da Lei nº. 10.637/02: “(…) Art. 1º. A Contribuição para o PIS/Pasep, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil (…) § 3º Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo, as receitas: (…) V – referentes a: a) vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos (…)”.
[2] Alínea “a” do Inc. V do § 3º do art. 1º da Lei nº. 10.833/03: “(…) Art. 1º. A Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – Cofins, com a incidência não cumulativa, incide sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil (…) § 3º Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo as receitas: (…) V – referentes a: a) vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos (…)”.
[3] “(…) CONTRAPARTIDA DO ADQUIRENTE PARA OBTENÇÃO DO ABATIMENTO NÃO CONSTITUI PRESTAÇÃO DE SERVIÇO (…) V – A pactuação de contrapartida a cargo do revendedor para a redução da quantia paga ao fornecedor constitui forma de composição do preço acordado na transação mercantil, motivo pelo qual não pode ser dissociada desse contexto para figurar, autonomamente, como a contraprestação por um serviço (…) VOTO. A EXMA. SRA. MINISTRA REGINA HELENA COSTA (Relatora): (…) Na mesma linha, também não é viável considerar correta a exegese lançada no acórdão recorrido no sentido de que as condições fixadas pelo fornecedor para o gozo dos descontos configuram prestação de serviços e, por isso, a diminuição da quantia a pagar pelo varejista na operação de compra e venda equivale à remuneração pelos encargos previstos no contrato (…)”.