Opinião Jurídica publicada no jornal Valor Econômico em 09/05/23.
A nova administração pública federal vem adotando, no âmbito da legislação tributária e com desprezo aos ideais de redução da litigiosidade fiscal e da melhoria da relação Fisco/contribuinte, medidas consideradas no mínimo extremamente controversas com o objetivo primordial de incremento da já elevada carga tributária brasileira.
A primeira medida no âmbito legislativo implementada pelo governo federal agora explicitada – já em vigor, mas ainda não eficaz em função da necessidade de obediência ao prazo de 90 dias como prescrito no parágrafo 6º do artigo 195 da Constituição – consiste na instituição de uma nova hipótese de restrição ao creditamento no âmbito do PIS e da Cofins não cumulativos advinda da análise conjunta dos artigos 1º, 2º e 3º da Medida Provisória (MP) nº 1.159, de 12 de janeiro. A impossibilidade de creditamento relativamente ao valor do ICMS que tenha incidido sobre a operação de aquisição indubitavelmente gerará (em detrimento dos contribuintes sujeitos à sistemática não cumulativa) um aumento no recolhimento das contribuições sociais sob discussão.
A segunda medida no âmbito legislativo implementada pelo atual governo federal ora brevemente analisada consiste na fragilização, no bojo do processo administrativo tributário federal envolvendo lides de até mil salários mínimos, dos princípios do devido processo legal e da ampla defesa taxativamente previstos nos incisos LIV e LV do artigo 5º da Constituição. Tal fragilização, decorrente do estatuído no artigo 4º da Medida Provisória nº 1.160, de 12 de janeiro de 2023, implica na sujeição – não mais somente para lides limitadas a até 60 salários mínimos, mas agora para lides de até mil salários mínimos – dos julgamentos dos recursos administrativos a um órgão colegiado formado única e exclusivamente por representantes fazendários/fiscais. Afasta-se, por conseguinte, da possibilidade de julgamento de recursos administrativos por um órgão colegiado paritário constituído por representantes fazendários/fiscais e por representantes dos contribuintes.
A terceira e última medida extremamente polêmica já implementada pelo atual governo federal no âmbito legislativo ora sob análise se consubstancia no retorno do denominado “voto de qualidade” na seara do processo administrativo tributário federal. Os presidentes das turmas julgadoras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), sempre um representante fazendário/fiscal, a partir da análise conjunta dos artigos 1º e 5º da já aludida Medida Provisória nº 1.160/23 e em sendo verificado previamente um empate quando do julgamento original de um determinado recurso administrativo, possuem o poder/dever de proferirem um novo voto para o desempate do julgamento. Afasta-se, por conseguinte, o regramento anterior então vigente desde o ano de 2020 no sentido do favorecimento dos contribuintes em caso de empate nos julgamentos.
As medidas dantes mencionadas/analisadas (infelizmente) não representam o ponto terminal das polêmicas/controvérsias instituídas pela nova administração pública federal no âmbito da legislação tributária federal até o presente momento. O Poder Executivo federal, com supedâneo no artigo 62 e no parágrafo 1º e inciso II do caput do artigo 153 da Constituição, adotou a Medida Provisória nº 1.163, de 28 de fevereiro, devidamente publicada em 1º de março. O artigo 7º da precitada medida provisória – objeto central da presente análise – instituiu um imposto sobre a exportação nos seguintes termos: “(…) Artigo 7º – Fica estabelecida, até 30 de junho de 2023, em nove inteiros e dois décimos por cento a alíquota do imposto de exportação incidente sobre as exportações de óleos brutos de petróleo ou de minerais betuminosos, classificados no código 2709 da NCM (…)”.
Não se pretende aqui discorrer a respeito da existência (ou não) de regularidade formal do aludido artigo 7º quando em cotejo com o regramento constante na Lei Complementar nº 95/98, bem como também não se pretende discorrer aqui a respeito da existência (ou não) de regularidade material do mencionado artigo 7º quando em cotejo com o regramento constante nos artigos 23 a 28 do Código Tributário Nacional c/c o estatuído no Decreto-Lei nº. 1.578/77.
Pretende-se, de forma mais objetiva, apontar as seguintes vicissitudes advindas da novel tributação sobre a exportação, quais sejam: i. desvirtuamento de um tributo com função preponderantemente extrafiscal (função de controle do respectivo mercado) para uma função eminentemente fiscal/arrecadatória; ii. perda de competitividade do produto brasileiro exportado frente aos seus congêneres estrangeiros (em razão do aumento inesperado do respectivo custo); iii. desequilíbrio contratual entre o exportador brasileiro e o importador estrangeiro com evidente enfraquecimento dos princípios da “segurança jurídica” e da “certeza do direito”; e iv. possibilidade teórica de expansão da referida tributação para outros setores ainda não atingidos, como o agronegócio brasileiro.
Marcelo Fróes Del Fiorentino é mestre e doutor em Direito Econômico, Financeiro e Tributário pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (FDUSP) e ex-juiz do Tribunal de Impostos e Taxas do Estado de São Paulo (TIT-SP)